https://youtu.be/TfdNyG5M6oE
Tem sido
amplamente divulgado na comunicação social um vídeo onde aparece o Primeiro-Ministro
de Portugal a chamar… "cobardes a uns gajos (médicos) que se recusaram a
fazer o que lhes competia depois do presidente da ARS Alentejo os ter mandado
para lá” (para o Lar de Reguengos onde havia um surto de Covid-19).
Como é óbvio
o vídeo tem desencadeado um autêntico “coro” de críticas e insultos ao Primeiro-Ministro…
aos médicos… e ao jornal que o entrevistou.
Observando
alguns dos inúmeros artigos publicados…
Alguns
defendem o ponto de vista dos médicos e criticam as palavras “impróprias de um Primeiro-Ministro”
…
Outros
defendem as suas palavras e criticam a atitude dos médicos… e saltam-me à vista
alguns comentários nas redes sociais…
ü “Os
gajos não foram lá porque tiveram medo de apanhar o Covid!… que mal tem tratar
os médicos por “gajos”? Não estava a insultá-los, mas sim a chamar-lhes o que
tinha que chamar, da forma como todos nós dizemos quando alguém não faz o que
lhe compete: “cobardes”!
ü “O
António Costa tem toda a razão. Não teve medo do lobby dos médicos. Qualquer
médico, para o ser, jura solenemente que…
"A Saúde
do meu Doente será a minha primeira preocupação."
"Guardarei
respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não
farei uso dos meus conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade."
ü “Concordo
em absoluto com o adjetivo empregue pelo António Costa: os médicos (que não
foram prestar auxílio) foram efetivamente uns “cobardes”!
Teve-os no
sítio, chamou “os bois pelo nome”.
Quais falsas virgens
ofendidas!
ü “Nenhum
médico pode recusar-se a ir a um lar prestar auxílio ou a quem dele necessita!”
Pós vídeo…
Seguiu-se uma
caricata “nota de esclarecimento” do jornal a lamentar e manifestar “repúdio”
pela divulgação:
“Não é o
original!...” -assim como quem sacode a água do capote depois de completamente
encharcado. “Original” ou não… “off record” ou não… com caça às bruxas, ou não,
para apurar responsabilidades… agora pouco importa! O suposto erro já estava
cometido: tentar ocultar aquilo que realmente teria que ser divulgado (como
foi!) e que era realmente notícia…
As palavras
do Primeiro-Ministro referindo que uns “gajos cobardes (médicos) se recusaram a
fazer o que lhes competia (prestar cuidados de saúde num Lar após se terem
verificado alguns casos positivos de Covid-19) depois do presidente da ARS os
ter mandado para lá!
Esta era a
notícia!
Após a
tempestade que durou vários dias, seguiu-se uma espécie de cimeira de
entendimento e apaziguamento de todo o mal-estar que as tais palavras tinham
desencadeado em toda a classe médica que, a bem da verdade, seja dito, os
verdadeiros heróis (além de todos os clínicos e assistentes que os apoiam)
desta inusitada batalha Covid-19.
Sobre este
facto ninguém terá a menor dúvida.
Um pacto de
paz que duraria apenas alguns momentos com direito a declarações à comunicação
social de ambas as partes, que a bem do interesse nacional tudo tinha sido
convenientemente esclarecido.
Sobre o
Inquérito da Ordem dos Médicos ao Lar de Reguengos de Monsaraz, o Presidente do
Conselho Diretivo da ARS do Alentejo, Dr. José Robalo, terá assumido a
responsabilidade pelas deficiências encontradas pela Comissão de Inquérito. Era
impossível contestar as péssimas condições do Lar de Reguengos, o que de certa
forma impulsionaria a disseminação da doença na sua fase inicial e
posteriormente na mais crítica… o que, consequentemente, não permitiria e
garantiria que doentes, profissionais e voluntários pudessem viver e trabalhar
num ambiente minimamente seguro…
Além de apontar
as deficiências do Lar, refere também o Inquérito da Ordem dos Médicos, que…
(cito)
(…)
“Nesta
medida, o Primeiro-Ministro, ao afirmar que a responsabilidade pelo que
aconteceu no Lar da FMIVPS foi dos médicos, errou por ter falado no plural (os
médicos). Na verdade, o que o Primeiro-Ministro queria dizer é que a
responsabilidade foi do médico, o médico Dr. José Robalo, Presidente do
Conselho Diretivo da ARS do Alentejo.”
“O Dr. José
Robalo, violando a lei em vigor, as regras éticas e deontológicas e os direitos
humanos, ameaçou com processos disciplinares (como o próprio admitiu
publicamente e na pronúncia por ele realizada) os médicos do SNS para que
fossem prestar cuidados de saúde em permanência no setor privado (Lar e
pavilhão), admitindo que os idosos com a doença COVID-19 necessitavam de
vigilância médica permanente (24 horas).”
“É
incompreensível a postura do médico Dr. José Robalo, Presidente da ARS do
Alentejo, desconhecendo que, se os doentes com COVID-19 necessitavam de
vigilância médica permanente, deveriam então ter sido internados num hospital
onde teriam acesso aos necessários cuidados médicos diferenciados e às
condições essenciais para poderem ser tratados de acordo com as boas práticas
médicas e as normas definidas pela DGS. Um erro grave que pode ter tido
consequências irreversíveis na morbilidade e mortalidade dos doentes.”
“Os médicos,
contrariamente ao que foi afirmado pelo Senhor Primeiro-Ministro, não se
recusaram ao cumprimento de quaisquer deveres, laborais ou deontológicos, antes
os honraram. Os médicos não deixaram de chamar de forma veemente a atenção para
a falta de condições do Lar e do Pavilhão e os vários atropelos existentes,
defendendo claramente os doentes. Afirmar que os médicos não cumpriram o seu dever
de assistência é, pois, calunioso e revela uma clara tentativa de escamotear a
realidade dos fatos.”
“Os médicos
exerceram sim o seu dever de denúncia num país em que a coragem para provocar o
poder instituído é cada vez mais uma raridade. Não se esqueça Senhor
Primeiro-Ministro, que o que está em jogo é a vida e a morte de alguns dos mais
carenciados de entre todos.”
(…)
“A Ordem dos
Médicos e os seus dirigentes pautam a sua atuação por uma permanente defesa da
saúde, dos doentes e dos direitos constitucionais à saúde e à proteção da
doença. Em estrito respeito pelos princípios éticos da profissão, existentes há
milhares de anos.”
“O sucedido
em Reguengos de Monsaraz é inaceitável.
Os Lares,
como estruturas residenciais para pessoas idosas, portadoras de doenças
crónicas e com limites na sua autonomia, estão identificados como locais muito
sensíveis às epidemias sazonais. No caso da COVID-19, dada a grave repercussão
clínica nos grupos de risco desta pandemia, os utentes dos Lares estão
identificados como particularmente vulneráveis e devem ser alvo de proteção
especial. E este deve ser um desígnio nacional. Temos todos a obrigação de
cuidar melhor de quem contribuiu para construir Portugal, os nossos idosos.
Os médicos
construíram o SNS, edificaram as bases do Serviço de Saúde em Portugal,
estiveram e estão na linha da frente do combate à pandemia provocada pelo novo
coronavírus, e merecem ser respeitados e valorizados pelo Governo de Portugal,
tanto mais quando estão a defender a vida dos mais desprotegidos e dos idosos
que ajudaram a construir este país.
Mas mais
grave é se tudo correr sem que tiremos ilações e mudemos a nossa atitude para
corrigir o que não está bem.
A postura de
negação e de desresponsabilização, associada à soberba e arrogância, por parte
do Dr. José Robalo, é técnica e humanamente inaceitável, preferindo atacar a
forma e os autores da auditoria, em detrimento de aproveitar o trabalho e as
conclusões para que Reguengos não se repita.
A dimensão da
insensibilidade e da incapacidade em perceber o sucedido, demonstrada pela Sr.ª
Ministra do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, é claramente
percebida quando o Sr. Primeiro-ministro sente a necessidade de vir a terreiro
em sua defesa.
A dimensão da
ausência de qualquer comentário da Sr.ª Ministra da Saúde sobre o tema da
dimensão clínica na atividade dos lares é igualmente de realçar.
E a fuga do
Sr. Primeiro-ministro relativamente ao sucedido, atacando a classe médica é por
demais inaceitável. Os médicos continuarão a tratar os seus doentes como sempre
o fizeram, na linha da frente como sempre o fizeram, nos momentos mais difíceis
e mais agrestes.
A isso nos
obriga o nosso Juramento.”
Lisboa, 19 de
agosto de 2020
O bastonário
da Ordem dos Médicos
O Presidente
do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos
Este foi uma
espécie de inquérito/parecer/defesa dos médicos…
O Primeiro-Ministro
afirmou que “a ordem dos médicos não tem competência para realizar auditorias
sem que estas lhe sejam diretamente solicitadas… ponto”.
Mas antes do
“ponto”, alguém com competência ou conhecimento de facto, terá que alertá-lo
para as más, ou para a falta de condições do um Lar… ou eventualmente sobre o
comportamento de um médico… -a julgar pelas suas palavras, como parece ter
acontecido.
Chegou então
a hora de identificar e atribuir culpas e culpados… falhas e faltosos…
Falhou o
Governo; o Diretor do Lar que não asseguraram as condições necessárias…
Falhou o
médico que supostamente não cumpriu uma ordem (bem ou mal dada!) de um outro
médico diretor da ARS…
A conclusão:
morreram 16 pessoas!
A verdade é
que talvez um número tão elevado de mortes pudesse ter sido evitado se Governo
tivesse apostado mais na saúde, os responsáveis pelo Lar o tivessem
administrado melhor e os médicos tivessem cumprido rigorosamente o seu papel.
O que, em
abono da verdade, não aconteceu!
Agora, mais do
que o polémico vídeo com as “ofensivas” palavrinhas do Primeiro-Ministro, que
acabaram por despoletar toda esta situação, importa sim analisar o que
realmente se passa em todos os outros lares de Portugal e criar condições de
apoio social para os nossos idosos para que situações como esta não se voltem a
repetir.
Ah!... e que
sirva de lição e exemplo para todos os culpados!
Culpados?!
Como sempre,
não existem objetivamente culpados!
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Autor: Carlos Silva
Data: 2020-08-30
Imagem: Internet
Obs.:
Direitos reservados.
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