quarta-feira, 29 de novembro de 2023

0387. O mito de Abraão

 


Diz a Bíblia que “Deus ordenou a Abraão que sacrificasse o seu filho Isaac…


A propósito do mito, referiu José Saramago

“O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe indicara, levando consigo dois criados e o seu filho isaac… atou o filho e colocou-o no altar, deitado sobre a lenha. Acto contínuo, empunhou a faca para sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a quem mais se deveria amar… Sou Caim, sou o anjo que salvou a vida de isaac… (…)”

 

O que pode realmente pensar uma mente minimamente sã ao abrir uma Bíblia e deparar-se com o “mito de Abraão”?

O que pode realmente passar pela mente de um crente cuja fé absolve e legitima o assassínio do próprio filho quando essa é a vontade do seu “deus”, ou quando, supostamente, este ordena como prova de devoção?

O que pode realmente um simples ser humano pensar desta cruel insanidade?

Imagine-se que numa qualquer missa de domingo, um sacerdote decide enaltecer o mito de Abraão como ato de “louvável devoção religiosa” …

Imagine-se que um qualquer fervoroso crente, empolgado pelo discurso do sacerdote, sai dali absolutamente convencido que a melhor prova de amor a “deus” pode ser o sacrifício de um ente querido…

Pode-se realmente imaginar, mas, na realidade, não se compreende como é que uma suposta tentativa de infanticídio pode ser celebrada numa igreja como um ato de fé e o seu autor considerado um herói.

Pode-se realmente imaginar, mas, na realidade, não se compreende como é que um crime cometido em nome da fé pode deixar de ser crime, ou, no mínimo, “pecado”, e seja transformado numa espécie de ritual de doutrinação religiosa para agradecer e louvar a “deus”.

Paradoxalmente, ainda hoje, muitos crentes tomam Abraão como um “santo”; como o “pai da fé”; chegando mesmo a louvar a sua atitude de obediência cega e desvairada… e poucos têm lucidez para assumir que se pode tratar de um crime hediondo cometido por um insciente mental.

O mito de Abraão é apenas mais um exemplo da forma como a fé pode suprimir o raciocínio e o pensamento ético do ser humano, ao ponto de desvalorizar a vida de um filho e aceitar o seu sacrifício como um ato legítimo de obediência à vontade de uma suposta entidade divina.

A Igreja católica considera o mito de Abraão uma “ação divina” por ter sido a intervenção de um anjo a causa da salvação de Isaac… -uma justificação ainda mais ridícula que o próprio mito.

Não estando ninguém por perto, o que teria realmente levado Abraão a parar no momento em que se preparava para sacrificar o próprio filho?

Obviamente que o arrependimento de Abraão terá pressuposto um momentâneo rasgo de lucidez mental…  o duvidar do seu próprio deus…

“Que diabo de deus é este que, em nome da fé, proclama “não matarás” e simultaneamente ordena o sacrifício do meu filho?!”

Ninguém saberá ao certo o que terá levado Abraão a parar… ou, por outras palavras, o que terá realmente levado o redator de tal escritura a imaginar tão macabro cenário…

Na realidade, uma mente minimamente lúcida e racional não pode ficar indiferente ao horror de matar a sangue-frio uma inocente criança… ainda mais sendo o próprio filho!

Mais insano ainda que toda esta fé cega e infanticida, é acreditar sem questionar, é amar esse suposto “deus cruel, sedento de sangue e de sacrifício humano” e transformar esse sentimento numa virtude acima de qualquer valor ético e racional.

 

O que se pode realmente concluir sobre o mito de Abraão?

A conclusão mais evidente é que a fé, quando extremada, pode levar qualquer ser humano a praticar atos criminosos de extremismo religioso, considerados pelos seus autores morais como heroísmo, devoção e vontade divina.

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-11-22
Imagem: Internet
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