Diz a Bíblia
que “Deus ordenou a Abraão que sacrificasse o seu filho Isaac…”
A
propósito do mito, referiu José Saramago…
“O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão
tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o
desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha
para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe
indicara, levando consigo dois criados e o seu filho isaac… atou o filho e
colocou-o no altar, deitado sobre a lenha. Acto contínuo, empunhou a faca para
sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu
que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai
você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a
mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a
quem mais se deveria amar… Sou Caim, sou o anjo que salvou a vida de isaac…
(…)”
O
que pode realmente pensar uma mente minimamente sã ao abrir uma Bíblia e
deparar-se com o “mito de Abraão”?
O
que pode realmente passar pela mente de um crente cuja fé absolve e legitima o
assassínio do próprio filho quando essa é a vontade do seu “deus”, ou quando,
supostamente, este ordena como prova de devoção?
O
que pode realmente um simples ser humano pensar desta cruel insanidade?
Imagine-se
que numa qualquer missa de domingo, um sacerdote decide enaltecer o mito de Abraão
como ato de “louvável devoção religiosa” …
Imagine-se
que um qualquer fervoroso crente, empolgado pelo discurso do sacerdote, sai
dali absolutamente convencido que a melhor prova de amor a “deus” pode ser o
sacrifício de um ente querido…
Pode-se
realmente imaginar, mas, na realidade, não se compreende como é que uma suposta
tentativa de infanticídio pode ser celebrada numa igreja como um ato de fé e o
seu autor considerado um herói.
Pode-se
realmente imaginar, mas, na realidade, não se compreende como é que um crime
cometido em nome da fé pode deixar de ser crime, ou, no mínimo, “pecado”, e
seja transformado numa espécie de ritual de doutrinação religiosa para
agradecer e louvar a “deus”.
Paradoxalmente,
ainda hoje, muitos crentes tomam Abraão como um “santo”; como o “pai da fé”;
chegando mesmo a louvar a sua atitude de obediência cega e desvairada… e poucos
têm lucidez para assumir que se pode tratar de um crime hediondo cometido por
um insciente mental.
O
mito de Abraão é apenas mais um exemplo da forma como a fé pode suprimir o
raciocínio e o pensamento ético do ser humano, ao ponto de desvalorizar a vida
de um filho e aceitar o seu sacrifício como um ato legítimo de obediência à
vontade de uma suposta entidade divina.
A
Igreja católica considera o mito de Abraão uma “ação divina” por ter sido a
intervenção de um anjo a causa da salvação de Isaac… -uma justificação ainda
mais ridícula que o próprio mito.
Não
estando ninguém por perto, o que teria realmente levado Abraão a parar no
momento em que se preparava para sacrificar o próprio filho?
Obviamente
que o arrependimento de Abraão terá pressuposto um momentâneo rasgo de lucidez
mental… o duvidar do seu próprio deus…
“Que
diabo de deus é este que, em nome da fé, proclama “não matarás” e
simultaneamente ordena o sacrifício do meu filho?!”
Ninguém
saberá ao certo o que terá levado Abraão a parar… ou, por outras palavras, o
que terá realmente levado o redator de tal escritura a imaginar tão macabro
cenário…
Na
realidade, uma mente minimamente lúcida e racional não pode ficar indiferente
ao horror de matar a sangue-frio uma inocente criança… ainda mais sendo o
próprio filho!
Mais
insano ainda que toda esta fé cega e infanticida, é acreditar sem questionar, é
amar esse suposto “deus cruel, sedento de sangue e de sacrifício humano” e
transformar esse sentimento numa virtude acima de qualquer valor ético e
racional.
O
que se pode realmente concluir sobre o mito de Abraão?
A
conclusão mais evidente é que a fé, quando extremada, pode levar qualquer ser
humano a praticar atos criminosos de extremismo religioso, considerados pelos
seus autores morais como heroísmo, devoção e vontade divina.
Autor: Carlos Silva
Data: 2023-11-22
Imagem: Internet
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