Após a
Comissão Independente ter divulgado o número de queixas de abusos sexuais de
menores no seio da Igreja Católica, o Presidente da República, Marcelo Rebelo
de Sousa, não se mostrou muito surpreendido, e, como sempre, resolveu comentar
o assunto:
“Haver 400
casos não me parece que seja particularmente elevado… (disse) por não haver um
limite de tempo para as queixas… noutros países com horizontes temporais de
investigação mais pequenos houve milhares de casos” …
Quem está
minimamente atento ao que se passa em Portugal e ouve o Presidente afirmar que “400 casos de pedofilia não é um número particularmente elevado”,
certamente não ficará indiferente, e, como seria de esperar, estas palavras
geraram uma autêntica tempestade política.
Ondas de
“choque” e de “vergonha” invadiram por completo a Presidência da República…
“Miseráveis!”
… “Inaceitáveis!” … “Lamentáveis!” … é um “insulto para as mais de 400 pessoas
em causa” … “é este o Presidente de uma República laica e de um Estado de
Direito”...
André
Ventura, líder do Chega, iria ainda mais longe exigindo um pedido de “desculpa
às vítimas” e salientando que: “uma vítima de abusos sexuais, mesmo que fosse só
uma, já seria muito grave”.
Por sua vez,
o Primeiro-Ministro, António Costa, com toda a oportunidade e reconhecida
audácia, seria o único a manifestar “total solidariedade” com as palavras do
Presidente, aludindo que se trata de uma "interpretação inaceitável”.
"Todos nós conhecemos bem o Presidente da República"… por isso,
"todos sabemos bem que, para uma pessoa como o professor Marcelo, um caso
que fosse de abuso sexual sobre crianças seria algo absolutamente
intolerável". “Quem tem de pedir desculpa é quem interpretou mal as
palavras do Presidente".
Já no meio do
vendaval, Marcelo ainda tentou acalmar um pouco os ventos alegando que tinha
sido “mal interpretado” e que “respeita a opinião dos partidos como respeita a
opinião das vítimas, das pessoas e das figuras da Igreja que ficaram muito
melindradas…”
“Estamos em
democracia (…), aceita-se a crítica e ninguém pode ficar ferido, amuado ou
magoado com isso e percebo que as pessoas tenham opiniões diferentes, juízos
diferentes, achando que eu não disse exatamente o que queria dizer e que tenho
dito sempre”.
Ora, fazendo
jus às suas palavras…
Este vulgar
cidadão, não poderia também deixar de emitir a sua modesta opinião sobre o
assunto do momento…
As palavras
do Presidente despertaram inúmeras vozes que, até ao momento, se mantinham
impávidas e serenas no seu calmo e confortável recanto… não apenas as mais
sonantes do espectro político e cultural nacional, mas também os media e
sobretudo o cidadão comum nas redes sociais.
Finalmente é
questionada a relação Estado/Religião!
Finalmente é
questionado e investigado o abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica
e o que é que está na sua origem!
Ainda são bem
recentes as declarações do Vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa,
D. António Marto, que veio a público afirmar que “em Portugal não existem casos concretos de pedofilia na Igreja”, justificando assim a desnecessidade da
criação duma comissão para analisar a questão.
A “Comissão
Independente” surgiu como uma espécie de resposta nacional ao enorme escândalo
que eclodiu em França, em que, alegadamente, “330 mil crianças teriam sidovítimas de pedofilia na Igreja Católica”
Questionemos
então:
Temos,
afinal, um Presidente que age com base na sua fé católica ou apenas mais um
católico na Presidência da República que se ajoelha aos pés do Papa a beijar a
sua mão?
Estas últimas
palavras terão sido apenas mais um deslize ou desta vez foi longe demais e mais
uma vez terá querido proteger a Igreja?
Não se trata
de questionar a integridade do Presidente!
Não se trata
de afirmar que a fé católica do Presidente pode influenciar a sua avaliação dos
casos de abusos sexuais na igreja!
Não!
É por demais
evidente que a fé católica do Presidente tem condicionado a sua intervenção
como Chefe de Estado.
É por demais
evidente que a fé católica do Presidente tem influenciado o futuro de milhões
de inocentes crianças e sobretudo o destino desta geração.
O já
célebre “conseguimos” (ele conseguiu!) a propósito do seu apreciável contributo
para trazer para Portugal as “Jornadas (Católicas) Mundiais da Juventude em
2023” é um exemplo flagrante duma intervenção desenquadrada com a missão de
Chefe de um Estado laico e democrático.
“Graças a
Deus” (graças a ele!) conseguimos organizar as “Jornadas Mundiais da Juventude”
no nosso país!
Até o bispo
reconheceu que o Presidente é “o nosso melhor pivô, o nosso maior embaixador”.
Como é que um
país que claramente declara a sua laicidade, onde vigora a liberdade
“religiosa” (supostamente separada do Estado) organiza uma “missa” de largos
milhões de euros á custa do erário público, patrocinada pelo Presidente, com
direito a foto promocional com os intervenientes no local da dita.
O Presidente
é uma pessoa íntegra, inteligente, um excelente comunicador…
Ninguém
duvida.
O Presidente,
ainda que tardiamente, teve a humildade de vir publicamente pedir desculpa…
Ninguém
duvida.
Mas, após
toda esta tempestade, o que é que fica?
Fica a fé
católica do Presidente de Portugal.
Fica a
proteção e a promoção da doutrinação religiosa infantil por parte do Presidente.
Fica a desvalorização de comportamentos pedófilos e sobretudo uma grande falta de respeito pelas vítimas por parte do Presidente da República.
Autor: Carlos Silva
Data: 2022-10-12
Imagem: Internet
Obs.:
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