2024-10-28

1001. O combóio

 


I

Encontrei-te naquele distante comboio-de-infância...

Recordas?

O teu cabelo curto, coberto por um boné de pala, a roupa diferente dos demais, transformavam-te no companheiro de brincadeira ideal.

-Dominó! Ganhei!... -gritavas saboreando exuberantemente o doce prazer da vitória. E explicavas modestamente:

-Para se ganhar é preciso juntar as frutas certas nunca esquecendo as repetidas...

-Meninos... -gritava a minha mãe. Não, creio que era a tua.

-Portem-se bem!

Esta foi talvez a mais bela viagem da minha vida.

Porquê?!...

Porque era uma criança, e essencialmente porque tu lá estavas.

 


 

II

Embarcamos então no maravilhoso barco-da-adolescência…

Recordas?

No teu cabelo começaram a surgir as primeiras ondas, em teu rosto e sobretudo no corpo, operavam-se transformações que geravam profundas controvérsias no meu seio…

Gostava de ti… sim, tu devias ser o que eles chamavam “rapariga”, aquelas fracalhotes que nem uma corrida aguentam e choram por tudo e por nada…

Continuamos, no entanto, sempre no mesmo barco, distantes… mas tão perto um do outro…

No teu camarote, eras sem dúvida a mais bonita -sim, porque já notava essas coisas!... enquanto, aqui pela coberta, me tornava o mais forte, o mais inteligente…

A determinada altura finalmente encontramo-nos algures num dos compartimentos da proa…

Nesse momento o barco parou, o tempo parou…

Só tu te movimentavas na minha direção, como se flutuasses… e observava-te minuciosamente… como mudaras desde aquele primeiro dia de viagem… estavas tão diferente…

 


 

III

“Amei-te, amo-te, amar-te-ei sempre…” palavras irromperam dos teus lábios quebrando o silêncio e a inércia do momento…

De início não entendia absolutamente nada. Já tinha visto na televisão pessoas dizerem palavras daquelas e até beijarem-se na boca, mas… será que tu também me irias beijar?

Uma estranha sensação de medo/desejo percorreu o meu corpo ao ver o teu rosto bonito mover-se para o meu… (fechas-te os olhos que eu bem vi!) …

-Meninos! -gritou a tua mãe, ou seria a minha? – Portem-se bem!

 


 

IV

Surgiu então a tempestade e o naufrágio tornou-se inevitável…

O maravilhoso barco em que viajávamos destroçara-se nos recifes daquela praia que sonháramos…

A partir daí só sofri na minha ilha deserta, onde acabaria por ficar…

Ainda te enviei uma mensagem naquela garrafa que encontrei caída na areia, mas o tempo passava dolorosamente indiferente…

Aquele rapazinho que tantas aventuras vivera contigo, já não era o mesmo… crescera imenso… os seus músculos tornaram-se mais fortes, os ombros mais largos… transformara-se num homenzinho…

E tu como estarias?

Decerto usando cabelos longos, alguma maquilhagem para realçar o teu rosto lindo… um vestido atrevido realçando as linhas de mulher feita, sensual…

 


 

V

O voo no avião do futuro acabara de rasgar os céus quebrando todas as barreiras do sonho…

Será que aquela mulher de vestido preto ainda existia? Será que serias realmente tu?

-Jogamos outra partida de dominó -ainda sugeriste.

-Mas não te esqueças que para ganhar é preciso juntar as frutas certas!

-Eu sei, tolinha, não precisas de me dizer nada. Eu sei como é.

-Bem, recomecemos então…

Recordo perfeitamente o leve sorriso que naquele momento se voltou a desenhar no teu rosto…

Recordas?

-Meninos, portem-se bem! -alguém gritou de dentro. Creio que era o teu pai, ou talvez o meu…

Depois destas não mais sei o que aconteceu…

De qualquer modo, se tiver oportunidade, prometo que um dia te contarei como terminou a viagem.

O final.

Sabes, é que não consigo inventar!



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2024-10-24

0418. "Se deus não existisse..."

 


Pressupondo a sua existência de forma inequívoca, dizem alguns crentes que “se deus não existisse a vida não teria sentido”.

 

Ora, tal como o ato de fé, o desejo de existência de uma entidade supranatural não a faz existir e muito menos confere sentido à vida humana. Uma coisa é o desejo de qualquer crente, outra é a realidade da matéria viva.

De certa forma, o próprio desejo é o impulso primitivo e induz a crença.

 

Obviamente que não é por não acreditar em “deuses” que a vida deixa de fazer sentido.

Obviamente que não é por não acreditar em “milagres” que alguém deixa de ser uma pessoa integra ou adotar uma postura moralmente irrepreensível.

Verifica-se, aliás, precisamente o contrário: a maioria dos ateus são pessoas responsáveis, com níveis culturais assinaláveis e sobretudo com capacidade de análise e conclusão relativamente a fenómenos fictícios, tal os dogmas da Igreja Católica que a Ciência progressivamente tem vindo a desvendar e desmascarar.

Qualquer ateu tem perfeita noção do bem e do mal… não precisa de muletas divinas para que a sua vida tenha sentido… não precisa que um qualquer pastor lhe diga o que é, ou não, correto… e muito menos se mutilar, circuncisar, castrar, queimar, sacrificar ou matar alguém, tal como é descrito em algumas das inenarráveis passagens da Bíblia, é, ou não, apenas moralmente censurável, mas sim um ato criminoso.

Qualquer ateu conhece perfeitamente as inúmeras irracionalidades, guerras, divisões e episódios de violência que foram cometidas em nome das mais absurdas religiões… obviamente, terá presente que tanto a origem como a solução dos problemas nunca estará num qualquer “deus” omnipresente, omnisciente e omnipotente, que não existe, mas sim na ação do próprio homem.

Qualquer ser humano minimamente racional tem perfeita noção que o conceito de “deus” apenas existe na sua mente, não passando duma projeção dos seus próprios desejos e ideais.

Claro que a vida faz sentido!

Basta ter o coração ocupado com um amor autêntico.

Claro que a vida faz sentido!

Basta ter a mente ocupada com uma atividade aliciante.

Claro que a vida faz sentido!

Basta desfrutar plenamente cada momento.

Basta ter a perceção do seu valor e aceitar corajosamente a sua finitude.

 

Que melhor prova posso dar que não seja a minha?

 

Mais um dia relativamente feliz sem qualquer divindade!

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-10-20
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2024-10-18

0417. Prova


 

Dizem alguns crentes que “por não se poder provar a inexistência de “deus”, não se pode afirmar que não existe” … que também não se pode provar!

 

Trata-se, obviamente, da inversão do ónus da prova.

 

Se um crente afirma que o seu “deus” existe cabe-lhe provar a sua existência… nunca por outrem o negar pelo facto de não existirem provas da sua existência!

Não existindo uma única prova objetiva da existência de “deuses”, qualquer mente minimamente racional, apenas pode concluir pela sua inexistência.

É impossível testar o objeto de qualquer crença, precisamente porque não existe. A fé, por si só, não transforma imagens mentais abstratas em matéria viva.

Obviamente que ninguém pode provar ou negar existência de nenhum “deus”, mas pode perceber que a questão fundamental não é provar ou negar essa suposta existência, mas sim comprovar a sua inexistência pela fé, uma vez que só o que existe pode ser provado.

O mais caricato desta inversão do ónus da prova é que o tradicional crente nem sequer equaciona que a suposta existência do seu “deus” tornaria o seu ato de fé completamente inútil, deixando a crença de ter qualquer significado.

A confirmação da existência de “deus” através de um ato de fé individual, é pois, uma questão completamente utópica e irracional.

Crer num “deus” não prova nada… e muito menos o faz existir!

A fé é apenas uma mera aspiração pessoal geradora duma imagem mental abstrata… e obviamente cada um terá a sua!

É completamente absurdo alguém afirmar que “deus” existe apenas por fé ou simplesmente por pensar que tem alguns poderes supranaturais.

A existência de “deus” e os seus “milagres” não passam de falácias criadas por seres ignorantes para justificarem determinados fenómenos naturais e sobretudo os seus medos e aspirações eternas.

 

Nunca ninguém presenciou nenhum “milagre”, tal como nunca ninguém comprovou de forma objetiva e científica a existência de nenhuma entidade supranatural.

Eis a realidade… nua e crua!

 

Que alguém (crente) me prove o contrário?

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-10-20
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2024-09-04

0416. Garraiada



O povo gosta de tradições taurinas!

A “garraiada” é uma das tradições mais antigas enraizadas na maioria das povoações do interior alentejano, onde o animal, normalmente uma vaca ou um touro de menor porte, é solto num recinto fechado e deixado à sua sorte, por entre correrias de inúmeros jovens havidos de novas experiências e sobretudo demonstrar o seu valor perante a efusiva plateia que regozija dentro e fora das grades.

O jovem sempre gostou de exibir a sua virilidade, a sua coragem e sobretudo a sua inteligência perante os demais animais...

O animal, fora do seu habitat natural, ao ver-se ameaçado e rodeado por um mar de gente, investe vigorosamente contra quem o ousa enfrentar… até que, finalmente, vencido pelo cansado, um destemido herói, acompanhado pelo seu clã, o enfrenta e neutraliza.

É o ponto mais alto e vibrante da festa... -quando corre bem!

É ali que se demarca território; que se demonstra quem é o mais forte; quem é o mais corajoso… até que se atinge o auge: a pega!

A adrenalina excede todos os limites num corpo que ferve entre o medo e a bravura!

A tradição é normalmente bem regada a álcool e sobretudo um ponto de encontro e convívio de amigos e conhecidos das lides tauromáquicas.

Por vezes, como o caso de hoje, o divertimento, extravasa a praça deixando o pobre animal sozinho a olhar para o espetáculo exterior: é a já habitual sessão de pancadaria coletiva sem qualquer regra... cada um dá sem saber a quem e leva sem saber de quem!

Festa brava sem pancadaria não é festa!... só os bravos entram na festa!

Festa brava para ser festa tem que ter pancadaria… dentro e fora da praça!... -uma espécie de segunda festa dentro da festa taurina.

O povo exulta e bate calorosamente palmas aos corajosos forcados que vão surgindo dentro e fora da praça!

O povo adora garraiadas… sobretudo com pancadaria!

Desta vez, tal como em muitas outras, sobretudo pelos inúmeros excessos alcoólicos, o espetáculo extravasa os limites da bravura e complica-se um pouco, pelo que é necessário chamar uma ambulância para socorrer feridos e as forças de segurança para acalmar a situação…

Finalmente, sobretudo pelo cansaço, é reposta a ordem e tudo regressa a calma.

Desta vez, tanto fora como dentro do recinto da festa brava, não morreria ninguém.

Tudo fica bem quando acaba bem!

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-09-03
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Obs.:
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2024-08-15

0415. Vive Agora

 


Vive Agora

Vive esta única e preciosa sinfonia noite e dia

Vive noite e dia na mais bela harmonia

Desfruta cada momento do teu precioso tempo

Desfruta todos os momentos como se não existisse tempo

Desfruta todos os momentos ao destempo

Ama perdidamente cada momento

Ama e deixa-te amar perdidamente

Ama perdidamente na harmonia do momento

Vive esta única e preciosa sinfonia noite e dia

Vive noite e dia na mais bela harmonia

Vive Agora

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-09-03
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Obs.:
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0414. Católicos vs Políticos

 



Li numa rede social que “os católicos são mais espertos que os políticos…”

 

Tratando-se duma afirmação sem qualquer fundamentação, por momentos, na minha própria consciência afloraria uma singular alusão que acabaria por aqui deixar...

 

Os católicos sempre foram mais perseverantes, sempre tiveram uma visão mais futura da “vida terrena”… e sobretudo, sempre pensaram mais nos seus descendentes!

Os políticos sempre foram mais renuentes, sempre tiveram uma visão mais futura do momento… e sobretudo, sempre pensaram mais nos seus eleitores!

Os católicos sempre foram mais frágeis e sobretudo mais ricos “espiritualmente”.

Os políticos sempre foram mais fortes e sobretudo mais ricos materialmente.

Na realidade, políticos e católicos, sempre fizeram promessas e “milagres”!

Ocasionalmente os políticos cumpriam as suas promessas… os católicos nunca o fizeram.

Os políticos sempre remeteram o incumprimento para a falta de verbas ou apoio do Estado…

Os católicos sempre remeteram o cumprimento para um futuro próximo ou para a eternidade.

Os políticos sempre apostaram numa campanha curta e objetiva enquanto os católicos sempre o fizeram de forma perpétua, ao ponto de doutrinarem o próprio político a quem incutiram a ideia de êxito e poder dependerem exclusivamente da sua entidade suprema a que todos deveriam obedecer cegamente e jurar incondicionalmente lealdade.

Desta união secular sempre resultou um casamento de mútuo interesse em que ambos saíram a ganhar:

Os católicos perceberam que com o mínimo esforço poderiam obter ganhos que lhe permitiam uma vida abastada… -bastava-lhe apenas alguma esperteza… ora ameaçando com pecados e infernos, ora subornando com milagres e eternidades.

Os políticos perceberam que com algum esforço poderiam obter votos e sobretudo poder para manter uma vida abastada… -bastava-lhe apenas alguma esperteza… ora fazendo a vontade aos seus eleitores, ora apoiando os fiéis seguidores com o seu “amém” e apoiando cerimónias e cultos religiosos.

 

Quem é o mais esperto? Não sei…

A poucos importará saber quem é o mais “esperto”!

O que realmente importa saber é para onde vai o dinheiro do fiel e do contribuinte.

 

O que realmente importa é o dinheiro: o autêntico deus da religião… e da política!

A ciência e o pensamento racional têm vindo desmascarar alguns casamentos pouco católicos… e sobretudo negócios políticos pouco ou nada lícitos…

 

O povo começa a despertar e a reivindicar os seus direitos… a exigir provas.

Afinal é o povo que paga donativos… dízimos… impostos!

 

Afinal é o povo que sustenta políticos e católicos… mais ou menos espertos!

 

Autor: Carlos Silva
Data: 2023-09-02
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